Misericórdias vão chamar Estado a resolver conflito com os bispos
Estão em campos opostos: o episcopado quer as misericórdias sob a sua tutela, estas dizem que são associações privadas de fiéis.
As duas partes dizem que não há conflito, mas os bispos católicos e a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) estão em lados completamente opostos por causa da definição do estatuto jurídico das misericórdias. Um decreto da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), entretanto sancionado pelo Vaticano, estabelece que aquelas instituições são associações públicas de fiéis, estando assim sujeitas à autoridade de cada bispo em cada diocese. A UMP rejeita a ideia, defende que as misericórdias são associações privadas de fiéis e promete meter Presidente da República, Parlamento e Governo no assunto.
O presidente da UMP, Manuel Lemos, disse ontem ao PÚBLICO que irá "falar com o Estado". Sem querer especificar que audiências poderá solicitar, adiantou que contactará os órgãos de Estado. E admite que, perante as notícias vindas a público - o jornal Sol referia-se ontem ao decreto dos bispos -, os diversos partidos políticos venham também a pedir esclarecimentos ao Governo sobre o que se passa.
Em causa, está o estatuto jurídico das instituições impulsionadas em 15 de Agosto de 1498 pela rainha D. Leonor. Com a entrada em vigor do novo Código de Direito Canónico (CDC) de 1983, a Igreja passou a distinguir associações privadas e associações públicas de fiéis. Entre outras diferenças, estas são da iniciativa dos bispos enquanto as primeiras partem da acção de grupos de crentes.
Com o aparecimento de alguns conflitos sobre a administração de bens, foi necessário resolver qual era o estatuto das misericórdias à luz do CDC. Vários pareceres jurídicos depois - incluindo alguns do Vaticano -, os bispos tentaram, com o decreto aprovado em Abril de 2009 na sua assembleia plenária e sancionado pela Congregação dos Bispos, da Santa Sé, pôr um ponto final no assunto.
Pontaria errada. Do lado da UMP, contesta-se a forma utilizada e o enunciado a que se chegou. Manuel Lemos diz que recebeu o texto para comentar em Novembro de 2009, tendo respondido em Fevereiro. E diz que as misericórdias são associações privadas invocando os argumentos do CDC - nomeadamente, o facto de serem criadas por grupos de católicos.
Uma das questões que estaria em causa - o reforço da eclesialidade (ou seja, do seu vínculo institucional e pastoral à Igreja) das misericórdias - já foi aceite pela UMP, mas sempre respeitando o estatuto de associações privadas que elas assumem, diz o responsável.
Fonte: António Marujo
Jornal PÚblico de 25 de Setembro