As últimas notícias sobre o Lar de Nossa Senhora da Misericórdia, Clínica Domus Misericordiae, ERPI, Creche, Jardim de Infância, CATL, Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário
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O frade que dá nome a uma avenida da capital e que as enciclopédias históricas referem como fundador da Misericórdia de Lisboa, em 1498, nunca existiu. Investigadores falam em fraude histórica do século XVI
A atribuição do nome de Frei Miguel Contreiras a uma Avenida, em Lisboa, "é o testemunho da ignorância dos políticos sobre os conhecimentos que a investigação histórica produz", diz Isabel dos Guimarães Sá, historiadora da Universidade do Minho, frisando que não há documentos históricos que comprovem a existência daquele frade, tido como o fundador da Misericórdia de Lisboa, em 1498, a par da rainha D. Leonor. A opinião da historiadora é partilhada por outros investigadores, que concluem que aquele frade foi uma invenção da Ordem dos Trinitários, em luta pela sobrevivência.
Reagindo a esta alegada "fraude histórica" , noticiada ontem na Notícias Magazine, o actual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Rui Cunha, em declarações ao DN, considera a discussão "estimulante" , e apela para que os historiadores a aprofundem.
Fonte oficial da autarquia lisboeta, por seu lado, explicou que cabe agora à comissão de toponímia avaliar os dados históricos disponíveis e decidir se a avenida vai ter de mudar de nome.
Foi em 1954 que a Câmara de Lisboa incluiu Frei Miguel de Contreiras na toponímia da cidade . A fundamentação histórica foi retirada da obra de Gustavo de Matos Ferreira, de 1939, intitulada "O Carmo e a Trindade".
O autor elabora a história da Capital e apresenta Miguel de Contreiras como um frade pertencente à Ordem da Santíssima Trindade, confessor da rainha D. Leonor, e por todos conhecido em Lisboa. "Frei Miguel era a providência dos pobres. Adoravam-no. Quando pregava na Igreja, enchia-se esta até à porta e transbordava até ao rossio da Trindade. Quando morreu, a populaça alfacinha pôs luto no coração". Esta descrição de Matos Ferreira foi retirada de autores do século de XIX, nomeadamente de Costa Goodolphim e Vítor Ribeiro que também apresentavam o frade trinitário como "a alma, a cabeça pensante" da Misericórdia de Lisboa". Aqueles dois autores, por sua vez, inspiraram-se nas páginas do célebre "Santuário Mariano", da autoria de Frei Agostinho de Santa Maria. A obra escrita em 1707 apresenta Contreiras como primeiro provedor da Misericórdia de Lisboa e co-autor dos estatutos (Compromisso), sendo descrito com todas as virtudes de "santo e venerado varão".
Mas, "a verdade é que, documentalmente, Frei Miguel não existe, não sobrevivendo sequer em qualquer memória impressa ou manuscrita anterior a 1574-1575", garante Ivo Carneiro de Sousa na sua tese "Da Descoberta da Misericórdia à Fundação das Misericórdias (1498-1525)", apresentada aquando da sua agregação à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Segundo este investigador, as primeiras referências documentais sobre o frade, que levaram os historiadores a crer na sua existência, só aparecem a partir de 1574, já 76 anos depois da fundação da Santa Casa.
No mesmo sentido aponta o Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa que anda há 12 anos a reunir toda a documentação sobre a história das Misericórdias. Na introdução do Volume 3 da Portugaliae Monumenta Misericordiarum - coordenado pela historiadora Isabel dos Guimarães Sá, professora na Universidade do Minho, pode ler-se: "Impõe-se algumas considerações finais sobre duas questões que a documentação aqui reunida esclarece pela negativa, isto é, pela ausência de referências que lhe são feitas". E especifica-se: "Em primeiro lugar, a inexistência de qualquer menção à figura de Frei Miguel de Contreiras em todo o espólio reunido. A ter existido, e a ter tido qualquer intervenção relevante, o trinitário não deixou qualquer rasto na documentação coeva, o que é, pelo menos, estranho". Ivo Carneiro acrescenta: "O que existe sobre frei Miguel não chega, sequer, para fazer uma certidão de óbito."
Segundo os investigadores, frei Miguel foi inventado pelos trinitários que, na altura, queriam tomar conta da Misericórdia de Lisboa.
A obra das Misericórdias nasceu em 1498, no ano em que Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia. Mas até essa data as instituições de beneficência eram rudimentares e encontravam-se dispersas e sem estatuto. Desde a fundação da nação portuguesa, inspiradas pelo espírito de caridade cristã, foram sendo criadas ordens religiosas e militares pelos reis, municípios, bispos, confrarias e particulares. Estas induziam os homens de todas as classes sociais a socorrerem os pobres e necessitados na ausência de qualquer sistema de segurança social organizado.
É neste contexto histórico que o cruzamento de duas figuras dará origem à futura rede de Misericórdias: Frei Miguel Contreiras e a rainha D. Leonor.
Frei Miguel Contreiras era um admirável pregador e amparo dos mais desfavorecidos. Pelo que se dizia, percorria as ruas de Lisboa com um anão que recolhera para sua protecção e um jumento no qual carregava as esmolas, para "acordar a caridade" e acudir os pobres e indefesos. A sua fama chegou aos ouvidos da rainha D. Leonor, que o nomeou seu confessor e mestre espiritual. Em 1484, D. Leonor fundou o Hospital das Caldas, dedicado aos pobres, na igreja onde instituiu uma confraria de caridade, sendo este um prenúncio da Misericórdia. Em conjunto com Frei Miguel Contreiras, desenvolveu uma série de obras significativas de ajuda aos necessitados.
Foi então em finais do século XV que, um grupo de "bons e fiéis cristãos", como reza a História, liderados por Frei Miguel Contreiras, na presença da rainha D. Leonor e das mais altas personalidades religiosas e civis, assumiu o compromisso de se dedicar à prática das 14 Obras de Misericórdia quanto fosse possível.
Gozando D. Leonor de grande prestígio junto da corte e do rei, é neste momento que surge a Irmandade da N.ª Sr.ª da Misericórdia de Lisboa com a aprovação do rei R. Manuel, a génese de todas as que lhe seguiram até aos nossos dias. O monarca tomou-a sob a sua protecção em 1498.
Durante os seus cinco séculos de existência, a acção de assistência social das Misericórdias assenta nos pilares das já referidas 14 Obras de Misericórdia, a espinal medula da sua cultura institucional.
As Sete Obras Corporais
1. Dar de comer a quem tem fome.
2. Dar de beber a quem tem sede.
3. Vestir os nús.
4. Dar pousada aos peregrinos.
5. Assistir aos enfermos.
6. Visitar os presos.
7. Enterrar os mortos.
As Sete Obras Espirituais
1. Dar bom conselho.
2. Ensinar os ignorantes.
3. Corrigir os que erram.
4. Consolar os tristes.
5. Perdoar as injúrias.
6. Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo.
7. Rogar a Deus por vivos e defuntos.
As Santas Casas da Misericódia primavam por tratar todos os seres humanos como irmãos, independentemente da sua raça, linguagem e cultura. Instalavam e mantinham hospitais e outros equipamentos de promoção e acção social à disposição de toda a população.
A expansão e as tentativas de estatização
Estas instituições foram crescendo em número pelo território português e além-mar, sendo levadas para todo o mundo a bordo das naus e caravelas quinhentistas vindas de Portugal, semeando assim a sua mensagem de fraternidade e solidariedade à volta do planeta.
Ainda hoje se encontram Santas Casas da Misericórdia na Índia, no Japão, em todos os territórios africanos de língua portuguesa, em Espanha e em Itália.
Apesar de terem sempre procurado manter a sua identidade, as Misericórdias foram submetidas a algumas influências de laicização. A Misericórdia de Lisboa foi a única que cedeu a uma estatização completa em meados do século XIX, o que resultou na perda do seu estatuto canónico de Irmandade.
Uma nova tentativa de absorção estatal deu-se em 1974, no seguimento das políticas de nacionalizações da revolução do 25 de Abril. As Misericórdias então federaram-se em União das Misericórdias Portuguesas (UMP), tendo-se afirmado com uma personalidade própria através de várias iniciativas em todo o país. Em 1979, as Misericórdias do Brasil também se federaram com as portuguesas, dando origem à Confederação Internacional das Misericórdias.
A organização das Misericórdias
As Irmandades ou Santas Casas da Misericórdia são hoje consideradas pelo Estado associações constituídas na ordem jurídico-canónica, com o objectivo de satisfazer carências sociais e de praticar actos de culto católico, segundo os princípios da doutrina e moral cristã. O Compromisso da Misericórdia tem o valor dos estatutos que regem a instituição. Neste estão definidos a denominação, a natureza, a organização e fins da instituição, as condições de admissão dos irmãos, seus direitos e obrigações, o culto e assistência espiritual, o património e regime financeiro da Misericórdia e os seus corpos gerentes. Os corpos sociais de uma Misericórdia são a Assembleia Geral, a Mesa Administrativa e o Definitório/Conselho Fiscal. Os membros dos corpos e órgãos sociais são voluntários. No que diz respeito à hierarquização organizacional, a União das Misericórdias Portuguesas é a entidade que federa todas as Santas Casas de Misericórdia no país.